- Voltar
Assim como o mês de maio é consagrado a Nossa Senhora, junho o é ao Sagrado Coração de Jesus. Catolicismo abordou em diversas edições esse magno tema. Para este mês, expomos algumas reflexões a respeito.
O dicionário Aurélio, no verbete “coração”, define: “Órgão muscular situado na cavidade torácica que, nos vertebrados superiores, é constituído de duas aurículas e dois ventrículos, e que recebe o sangue e o bombeia por meio dos movimentos ritmados de diástole e de sístole”.
Mas, além de designar um órgão vital do corpo humano, “coração” também significa, num sentido analógico, valores de ordem moral. Assim, metaforicamente se diz: fulano tem um “coração de ouro”; sicrano tem um “coração de pedra”. No primeiro caso, significando que fulano é bondoso, generoso, etc.; no segundo, que sicrano é insensível, mesquinho, etc. Pode-se dizer também que sicrano tem o “coração aberto”, e beltrano, “coração fechado”. E assim por diante, poder-se-iam fazer inúmeras correlações simbólicas a propósito de “coração”.
Na Sagrada Escritura, encontramos quase mil vezes a palavra “coração”. Apenas um exemplo extraído do Antigo Testamento: “Eu lhes darei um só coração e os animarei com um espírito novo: extrairei do seu corpo o coração de pedra, para substituí-lo por um coração de carne” (Ez 11, 19); e do Novo Testamento: “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão verão Deus!”.(Mt 5, 8)
Coração:
Símbolo do infinito amor de Deus pelos homens
Nosso Senhor pediu a Santa Margarida Maria Alacoque que fosse instituído o excelente costume da comunhão reparadora das primeiras sextas-feiras de cada mês.
Sumamente vinculada ao símbolo que o coração representa, está a devoção ao Sagrado Coração de Jesus (Vide Catolicismo, junho/2003). Em primeiro lugar, simbolizando o infinito amor de Deus pelo gênero humano: “O Sagrado Coração de Jesus faz parte de sua adorável pessoa. Entre os elementos integrantes da pessoa de Cristo, nenhum há tão apropriado como o coração para ser objeto de um culto especial. Porque simboliza a obra do amor infinito levada ao extremo, em nosso obséquio, pelo Verbo feito homem, no mistério da Encarnação e Redenção. Portanto, o culto tributado ao Sagrado Coração de Jesus é culto tributado a Jesus Cristo na qualidade de amante do homem”.(1)
A encíclica de Pio XII, Haurietis Aquas (1956) — considerada por excelência o documento sobre o culto ao Sagrado Coração de Jesus, e leitura indispensável a respeito — foi escrita com a finalidade de expor os fundamentos teológicos desse culto, e publicada no centenário da extensão para toda a Igreja da festa litúrgica do Coração de Jesus. Esse memorável documento pontifício ensina:
“O Coração do nosso Salvador reflete de certo modo a imagem da Divina Pessoa do Verbo, e, igualmente, das suas duas naturezas: humana e divina; e n´Ele podemos considerar não só um símbolo, mas também como que um compêndio de todo o mistério da nossa Redenção. Quando adoramos o Coração de Jesus Cristo, nele e por ele adoramos tanto o amor incriado do Verbo divino como o seu amor humano e os seus demais afetos e virtudes, já que um e outro amor moveu o nosso Redentor a imolar-se por nós e por toda a Igreja, sua Esposa”.(2)
O primeiro e maior de todos os mandamentos
A Santa Margarida se deve — com o apoio de seu diretor espiritual, São Cláudio la Colombière — a grande expansão da devoção ao Sagrado Coração de Jesus
Um escriba de Jerusalém, doutor da lei, perguntou a Jesus qual era o primeiro de todos os mandamentos. Eis a resposta de Nosso Senhor: “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com toda a tua mente, e com todas as tuas forças” (Mc 12, 30).
Se de todo coração uma pessoa ama a Deus, estará disposta a sacrificar-se por Ele; estará pronta a combater aqueles que atacam e desprezam seus divinos ensinamentos, e tudo fará para reparar as ofensas que se fazem contra Deus. Qualquer ofensa a Ele, tomará como se fosse mais grave que uma ofensa pessoal, e desejará ardentemente consolá-lo pelo ultraje recebido.
Exemplo admirável desta disposição foi a vida de Santa Margarida Maria Alacoque (1647 - 1690), enaltecida por Nosso Senhor como “discípula dileta de meu Coração”. A ela se deve — com o apoio de seu diretor espiritual, São Cláudio la Colombière — a grande expansão no século XVII, e nos seguintes, da devoção ao Sagrado Coração de Jesus, principalmente sob dois aspectos: o amor e a reparação àquele Coração, ofendido pelos pecados dos homens de “coração duro”, “fechado” para a graça divina. A ela Nosso Senhor pediu (em Paray-le-Monial – França) que fosse instituído o excelente costume da comunhão reparadora das primeiras sextas-feiras de cada mês.
Sobre esta grande santa mística, Catolicismo tem publicado diversas matérias (vide, por exemplo, a edição de julho/2004), e poder-se-ia aludir a muitas outras almas santas que difundiram atos de piedade para desagravar o Divino Coração. Um exemplo é o de uma simples menina, Jacinta, a quem Nossa Senhora, no ano de 1917, apareceu em Fátima. Com apenas 10 anos, ela já tinha uma clara noção disso. Pouco antes de seu falecimento, disse à sua prima Lúcia: “Se eu pudesse meter no coração de toda a gente o lume que tenho cá dentro no peito, a queimar-me e a fazer-me gostar tanto do Coração de Jesus e do Coração de Maria!”. Palavras singelas, mas que revelam o quanto uma menina inocente se abrasava de amor de Deus e se compadecia daqueles Corações ofendidos.
Até mesmo católicos vivendo como se Deus não existisse
O mundo atual sofre os abalos de um terrível terremoto moral. Todas as instituições da sociedade e do Estado encontram-se flageladas por profundas crises. Certamente porque o Criador e Redentor do gênero humano deixou de estar no centro das cogitações, até mesmo no centro dos corações daqueles que se dizem católicos. Ele é ultrajado de todos os modos, tendo sido destronado na sociedade neopagã de nossos dias.
Como remediar essa catastrófica situação? O Papa São Pio X indicou-nos uma solução: “Se alguém pedir uma palavra de ordem, sempre daremos esta e não outra: Restaurar todas as coisas em Cristo”. Para isso, há necessidade de reentronizar o Sagrado Coração de Jesus nas almas, nas famílias, nas instituições, em todas as nações. Numa palavra: restaurar a realeza social e divina d’Aquele que é “Rei dos reis e Senhor dos senhores” (Ap 19, 16). Para isso, a devoção ao Sagrado Coração de Jesus é o remédio por excelência.
“Fazei nosso coração semelhante ao vosso”
Não sejamos surdos e ingratos a essa sublime devoção, correspondendo ao divino amor de Deus por nós. Como corresponder? Procurando, por exemplo, fazer tudo conforme seus divinos preceitos, e evitar tudo o que os contraria. Assim, estaremos purificando nossos corações e assemelhando-
Uma breve aplicação: por obra da funesta Revolução Francesa, o Rei Luís XVI foi condenado à guilhotina. Subiu ao patíbulo com toda paciência, mas quando o carrasco quis atar-lhe as mãos, num gesto enérgico ele não permitiu, dizendo que não aceitaria tal humilhação. Seu último confessor, o Pe. Edgeworth de Firmont, então disse-lhe: “Senhor, esta humilhação será ainda mais um traço de semelhança entre Vossa Majestade e Nosso Senhor Jesus Cristo”. Ao que Luís XVI respondeu: “Se isso agrada a Jesus, estou pronto para ser amarrado”.
Tal resposta do soberano francês poderia ser aplicada em todas as circunstâncias de nossa vida: estarmos prontos para fazer tudo o que agrada a Jesus; e nada, absolutamente nada que O desagrade. Para chegar a essa prática habitual, é muito aconselhável uma jaculatória que se encontra no final da Ladainha do Sagrado Coração: “Jesus, manso e humilde de coração. Fazei nosso coração semelhante ao vosso”.
O Imaculado Coração da Santa Mãe de Deus
Peçamos essa graça por intermédio do Imaculado Coração de Maria, e podemos ter a certeza de que seremos atendidos. O fundador da Congregação de Jesus e Maria, São João Eudes, comentava que, de tal modo as devoções ao Sagrado Coração de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria eram inseparáveis e se uniam em uma só e mesma devoção, que se poderia dizer no singular: “Sagrado Coração de Jesus e Maria”.
Encerramos as presentes reflexões, para este mês, especialmente consagrado ao Sagrado Coração de Jesus, com um trecho da citada encíclica Haurietis Aquas:
“A fim de que a devoção ao Coração augustíssimo de Jesus produza frutos mais copiosos na família cristã, e mesmo em toda a humanidade, procurem os fiéis unir a ela estreitamente a devoção ao Coração Imaculado da Mãe de Deus. Foi vontade de Deus que, na obra da Redenção humana, a Santíssima Virgem Maria estivesse inseparavelmente unida a Jesus Cristo; tanto que a nossa salvação é fruto da caridade de Jesus Cristo e dos seus padecimentos, aos quais foram intimamente associados o amor e as dores de sua Mãe. Por isso, convém que o povo cristão –– que de Jesus Cristo, por intermédio de Maria, recebeu a vida divina –– depois de prestar ao Sagrado Coração o devido culto, renda também ao amantíssimo Coração de sua Mãe celestial os correspondentes obséquios de piedade, amor, agradecimento e reparação. Em harmonia com este sapientíssimo e suavíssimo desígnio da Divina Providência, Nós mesmo, por ato solene, dedicamos e consagramos a santa Igreja e o mundo inteiro ao Coração Imaculado da Santíssima Virgem Maria”.(3)
E-mail do autor: pr-campos@catolicis
Notas:
(*) Para um aprofundamento no estudo do Sagrado Coração de Jesus, recomenda-se a leitura das seguintes edições de Catolicismo: junho/1986, julho/1988, junho/1992, junho/1994, junho/2003 e julho/2004 — matérias que se encontram disponíveis no site da revista www.catolicismo.
1. R. P. Tomaz Pègues, O.P., Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino, em forma de Catecismo, Taubaté, 1942, p. 196.
2. Encíclica de Pio XII, Haurietis Aquas (15-05-1956), Sobre o culto do Sagrado Coração de Jesus, Editora Vozes Ltda, Petrópolis, 1959, n. 52, p. 31.
3. Encíclica Haurietis Aquas, n. 84, p. 47.