Cidadãos do Infinito




Doutrina Católica
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07/02/2012
REVELAÇÃO DIVINA
Tradição oral + Tradição escrita


O Magistério da Igreja extrai todo o ensinamento que dá aos fiéis, da Revelação Divina, que se compõe da Tradição (oral) que veio dos Apóstolos e da Tradição (escrita), a Bíblia. É sobre essa Tradição (escrita e oral), com igual importância nas suas formas, que o Magistério acenta seus ensinamentos infalíveis. Portanto, a Igreja católica não se guia apenas pela Bíblia (a Revelação escrita), mas também pela Revelação oral que chegou até nós. Sem esta última, nem mesmo a Bíblia existiria como a temos hoje, já que ela foi ´berçada´ ´ como diz D. Estevão Bettencourt ´ e redigida pela Igreja. A transmissão do Evangelho, feita pelos Apóstolos, fez´se de duas maneiras: oralmente e, depois, por escrito, cerca de 20 anos após a morte de Jesus. No ensino oral os Apóstolos ´transmitiram aquelas coisas que ou receberam das palavras, da convivência e das obras de Cristo ou aprenderam das sugestões do Espírito Santo´ (CIC, 76), nos ensina o Catecismo. Ensina´nos a Constituição Dogmática ´Dei Verbum´, do Concílio Vaticano II, sobre a Revelação Divina, que: ´Para que o Evangelho sempre se conservasse inalterado e vivo na Igreja, os apóstolos deixaram como sucessores os bispos, a eles transmitindo o seu próprio encargo de Magistério´ (DV, 7). Essa transmissão viva, realizada no Espírito Santo, é chamada de Tradição apostólica, distinta da Bíblia, mas ligada a ela intimamente.

A ´Dei Verbum´ ensina que através da Tradição: ´A Igreja, em sua doutrina, vida e culto, perpetua e transmite a todas as gerações tudo o que ela é, e tudo o que crê´ ( DV,8).

E diz ainda que: ´Os ensinamentos dos Santos Padres [sec. I a VIII] testemunham a presença vivificante desta Tradição cujas riquezas se transfundem na praxe e na vida da Igreja crente e orante´ (DV,8). Embora a Igreja tenha ciência de que ´já não há que esperar nenhuma nova revelação pública antes da gloriosa manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo´ (DV,4), no entanto, ela sabe que ´embora a Revelação esteja terminada, não está explicitada por completo; caberá à fé cristã captar gradualmente todo o seu alcance ao longo dos séculos´ (CIC, 66). E isso o Espírito Santo continua a fazer na Igreja através dos teólogos e do Magistério oficial. Aos teólogos cabe aprofundar os conhecimentos do ´mistério da fé´, guiados pelos dogmas já revelados; mas somente ao Magistério cabe definir as verdades da fé. A Tradição e a Bíblia estão intimamente ligadas. Tanto uma como a outra tornam presente e fecundo na Igreja o mistério de Cristo, presente na Igreja até o fim do mundo (cf Mt 28,20). Ensina´nos a ´Dei Verbum´ que:

´A Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura estão, portanto, estreitamente conexas e interpenetradas. Ambas promanam da mesma fonte divina, formam de certo modo um só todo e tendem para o mesmo fim. Com efeito a Sagrada Escritura é a fala de Deus, enquanto é redigida sob a moção do Espírito Santo; a Sagrada Tradição, por sua vez, transmite integralmente aos sucessores dos Apóstolos a palavra de Deus confiada por Cristo Senhor e pelo Espírito Santo aos apóstolos para que, sob a luz do Espírito e da verdade, eles por sua pregação fielmente a conservem, exponham e difundam. Resulta, assim, que não é através da Escritura apenas que a Igreja consegue sua certeza a respeito de tudo o que foi revelado. Por isso, ambas ´ Escritura e Tradição ´ devem ser aceitas e veneradas com igual sentimento de piedade e reverência´ (DV,9), (CIC, 82). Já mostramos no capítulo anterior, através dos escritos de S.Ireneu, a riqueza da Tradição apostólica. É ainda ele quem a confirma, dizendo: ´Sendo nossas provas de tal monta, não é preciso ir procurar alhures a verdade, tão fácil de se haurir na Igreja, pois os apóstolos, como num rico celeiro, aí depuseram a verdade em sua plenitude, a fim de que todo o que desejar possa tirar dela a bebida da vida...´ ´Pois bem, se ainda que apenas uma questão de detalhe provocasse discussão, não se haveria de renovar às Igrejas mais antigas, àquelas onde viveram os apóstolos, para se esclarecer a questão? E se os apóstolos não tivessem deixado quaisquer Escrituras, não se haveria de seguir a ordem da Tradição que eles legaram aos mesmos aos quais confiaram as igrejas?´ Vemos aí todo o valor da Tradição oral ! O Catecismo nos ensina que ela consiste em tudo aquilo ´que vem dos apóstolos e transmite o que estes receberam do ensinamento e do exemplo de Jesus e o que receberam através do Espírito Santo. Com efeito a primeira geração de cristãos ainda não dispunha de um Novo Testamento escrito, e o próprio Novo Testamento atesta o processo da Tradição viva´ (CIC, 83).

Muitas são as passagens do Novo Testamento que revelam a importância da Tradição oral. São Paulo diz a Timóteo: ´O que ouvistes de mim em presença de muitas testemunhas, confia´o a homens fiéis, que sejam capazes de ensinar ainda a outros´ (2 Tm 2,2). Note bem o ´ouvistes´ de mim. É a transmissão oral do depósito da fé. Vemos aí a própria Escritura atestando a existência da transmissão oral, de geração a geração. Este ´depósito´ oral chegou até nós pela palavra oficial da Igreja, e não pode ser desprezada. Jesus deixou claro a seus discípulos, na noite da despedida, que Ele não lhes tinha ensinado tudo, mas que o Espírito Santo o faria ao longo do tempo: ´Muitas coisas tenho a dizer´vos, mas não as podeis suportar agora. Quando vier o Advogado, o Espírito da Verdade, ensinar´vos´á toda a verdade...´(Jo 16,12). Todo esse ensinamento que o Espírito Santo foi acrescentando à Igreja é o que foi formando a sua Sagrada Tradição. Era tão marcante a inspiração do Espírito Santo que, por exemplo, após o Concílio de Jerusalém, os apóstolos escreveram à Igreja de Antioquia:

´Com efeito, pareceu bem ao Espírito Santo e a nós...´ (At 15,28). Outras passagens mostram essa ´intimidade´ deles com o Espírito Santo. ´Então Pedro, cheio do Espírito Santo...´ (At 4,8). ´Por que combinastes para por à prova o Espírito do Senhor ?´ (At 5,9). Diante do Grande Conselho dos Judeus e do Sumo Sacerdote: ´Deste fato nós somos testemunhas, nós e o Espírito Santo...´(At 5,32). Podemos, portanto, afirmar, com toda certeza, que tudo o que está na Bíblia é verdade, mas nem toda a verdade está na Bíblia. Parte da Revelação foi oral e está na Tradição, que, por isso é Sagrada e indispensável. Na segunda Carta aos tessalonicenses vemos claramente a Tradição oral: ´Não vos lembrais de que vos dizia estas coisas, quando estava ainda convosco? ´ (2Tes 2,5). ´Assim, pois, irmãos, ficai firmes e conservai os ensinamentos que de nós aprendestes, seja por palavras, seja por carta nossa´ (2Tes 2,15). Nem tudo o que Jesus ensinou e fez, e nem tudo o que os apóstolos ensinaram, foi escrito. Naquele tempo era difícil escrever. Não havia papel e caneta fácil como hoje. Usava´se pergaminhos, peles de carneiros, papiros, etc., penas molhadas nas tintas. Escrever era raridade. São João encerra o seu Evangelho mostrando claramente isto: ´Jesus fez, diante dos seus discípulos, muitos outros sinais ainda, que não se acham escritos neste livro. Estes, porém, foram escritos para crerdes que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que crendo, tenhais a vida em seu nome´(Jo 20,30s). Mais adiante ele repete: ´Há muitas outras coisas que Jesus fez e que, se fossem escritas uma por uma, creio que o mundo não poderia conter os livros que se escreveriam´(Jo 21,25). Essas passagens deixam claro que os evangelistas e Apóstolos só escreveram o ´essencial ´ da mensagem de Cristo, ´ para crerdes que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que crendo, tenhais a vida em seu nome´.

Vemos assim que a própria Bíblia nos encaminha para as fontes orais da Palavra de Deus; isto é a Tradição oral que a berçou. Não podemos jamais nos esquecer de que a Igreja é anterior ao Novo Testamento e que foi ela que formou o cânon do Antigo Testamento como o temos hoje. Logo, sem a Igreja a Bíblia se esfacela. O Cristianismo já existia quando foi escrito o Novo Testamento: ´os fiéis eram assíduos aos ensinamentos (orais) dos apóstolos´ (At 2,4). Portanto, é a Igreja que credencia a Bíblia. Foi a Igreja que ´constituiu´ a Bíblia, como a temos, e não o contrário. Todo este ensinamento é reafirmado pelo último Concílio, quando diz na ´Dei Verbum´: ´Assim a pregação apostólica, expressa de modo especial nos livros inspirados, devia conservar´se sem interrupção até a consumação dos tempos. Por isso os Apóstolos, transmitiram aquilo que eles próprios receberam (cf. I Cor 11,23; 15,3), exortam os fiéis a manter as tradições que aprenderam seja oralmente, seja por carta (cf. II Tess 2,15) e a combater pela fé uma vez transmitida aos santos (cf. Jd 3). Quanto à Tradição recebida dos Apóstolos ela compreende todas aquelas coisas que contribuem para santamente conduzir a vida e fazer crescer a fé do povo de Deus, e assim a Igreja, em sua doutrina, vida e culto, perpetua e transmite a todas as gerações tudo o que ela é, tudo o que crê´ (DV,8). Infelizmente os reformadores protestantes (Lutero, Calvino, etc) tomaram a Bíblia como ´a única fonte de fé´, e, pior ainda, entendida segundo o ´livre exame´ de cada crente, podendo interpretá´la segundo o seu parecer, ´guiado pelo Espírito Santo´. Negaram a Tradição oral, repudiaram o Magistério, abandonaram a Igreja, esquecendo´se que Ela é anterior à Bíblia (Novo Testamento). Foi uma grande traição a Jesus, à Igreja, e ao Espírito Santo que, há quinze séculos (1500 anos!) já conduzia a Igreja sem nunca abandoná´la. Na verdade, a reforma protestante foi o começo de toda esta lamentável situação que vivemos hoje, um mundo ateu, materialista, racionalista e hedonista, ofensivo a Deus e à Igreja. A Reforma protestante, influenciada pelo Renascimento, deu a partida ao liberalismo e ao relativismo religioso que hoje assola o mundo todo. Transcrevo aqui o que disse D. Estevão Bittencourt, OSB, no seu artigo ´Origem dos vários grupos cristãos´: ´Os reformadores deram início à destruição do grande patrimônio de fé e cultura dos séculos anteriores, que associavam entre si Deus, Jesus Cristo e a Igreja. ´ a reforma no século XVI disse SIM a Deus e a Cristo e NÃO à Igreja; ´ os iluministas racionalistas do século XVIII disseram SIM a Deus, NÃO a Cristo e a Igreja; ´ os ateus do século XIX disseram NÃO também a Deus; ´ finalmente os estruturalistas do século XX disseram NÃO também ao homem, pois a morte de Deus vem a ser também a morte do homem´. ´Negando a Igreja de Cristo, os reformadores aceitaram a fundação de numerosas igrejas e igrejinhas de líderes humanos, todas originadas do subjetivismo dos seus fundadores´ (PR, nº 404, 1996, pp 14 e 15). A maneira subjetiva com que lêem a Bíblia levou o Protestantismo ao esfacelamento, especialmente da doutrina: uns aceitam o batismo de crianças, outros não; uns guardam o sábado como o dia santo, outros o domingo; umas igrejas têm bispos, outras não; umas aceitam o batismo só por imersão na água, outras aceitam´no apenas por infusão. As denominações mais recentes (Testemunhas de Jeová, Mormons, Ciência Cristã) já não aceitam Jesus Cristo como Deus e Homem e nem aceitam a SS. Trindade. Os Mormons por exemplo, chegam a ter uma ´bíblia´ acima da Bíblia. E a confusão vai longe...

Em relação à Jesus Cristo há divergências profundas entre luteranos e ´reformados´. Para muitos o dogma da Santíssima Trindade é a base do Cristianismo, para outros é uma ´pedra de escândalo´ e ´aberração politeista´, embora muitas vezes convivam juntos achando que essas diferenças são ´insignificantes´. Algumas denominações levam a sério a questão doutrinária, outras, como a ´Union Church´, admitem todas as doutrinas. Resumindo podemos dizer que não há um só ponto de acordo, nem mesmo a respeito da Pessoa do próprio Jesus Cristo, que para uns é consubstancial ao Pai, mas para outros não. Se neste ponto central do Cristianismo ´ a Pessoa de Jesus Cristo ´ não há acordo no protestantismo, imagine no resto... O próprio Lutero, amargurado, foi obrigado a reconhecer em 1525, apenas oito anos após o seu rompimento com a Igreja: ´Há tantas seitas e crenças quantas cabeças. Um não terá nada a fazer com o Batismo; outro nega o Sacramento; um terceiro acredita que há outro mundo entre este e o último dia. Alguns ensinam que Cristo não é Deus; uns dizem isto, outros dizem aquilo. Não há rústico, por mais rude que seja, que, se sonhar ou fantasiar alguma coisa não deva ser o sussurro do Espírito Santo, e ele próprio um profeta´ ( ´Martinho Lutero´, John A. O´ Brien, Ed. Vozes, 1959, p.32). Lutero chegou ao fim da vida angustiado. Sentia´se atormentado pelos demônios, sem tréguas: ´não dão descanso sequer um só dia´. E dizia que de todos os assaltos, ´nenhum foi mais severo ou maior do que o acerca da minha pregação, acudindo´me à mente este pensamento: ´Toda essa confusão foi causada por você´ (John A. O´ Brien, idem, p. 28). Vemos aí a voz de uma consciência pesada falando a Lutero. No seu último sermão em Wittenberg, diz O´ Brien, ele denuncia a razão como ´o orgulho do diabo´ e como uma ´petulante prostituta´( idem, p.29). Para mostrar o quanto Lutero foi incoerente na defesa do ´livre exame da Bíblia´, cito o que diz O´ Brien: ´Lutero começou declarando que a Bíblia podia ser interpretada por qualquer um ´até mesmo pela humilde criada do moleiro; antes, até por uma criança de nove anos´. Mais tarde, no entanto, quando os Anabatistas, Zwinglianos e outros contrariaram as suas vistas, a Bíblia tornou´se para ele ´um livro de heresias´, muito obscuro e difícil de entender ( idem, p.32). Nos relata O´ Brien que, em Ingolstadt, em 1577, trinta e um anos após a morte de Lutero(1546), Cristovão Rasperger citava duzentas interpretações diferentes das quatro palavras da consagração: ´Isto é o Meu corpo´; interpretações sustentadas pelos seguidores da Reforma ( The Faith of Millions, J. A. O´ Brien, Ind.1938, p.227). Que confusão! É preciso dizer também que, embora Lutero colocasse a Bíblia como ´a única fonte da fé´, desprezando a Tradição e o Magistério, no entanto, quando a sua teoria da ´salvação somente pela fé´, sem necessidade das obras, se chocou com as palavras da Epístola de S. Tiago (´sem obras a fé é morta´, Tg 2,26), Lutero a rejeitou de todo e a chamou de ´uma verdadeira epístola de palha´(idem p.16). Onde estava o seu respeito pela Bíblia?... Jamais as igrejas evangélicas conseguiriam chegar a um único ´Símbolo de Fé´, um só Credo. A Igreja católica, por outro lado, porque se manteve fiel a Cristo, apesar dos pecados dos seus filhos, professa uma só fé, um só batismo, um só Senhor. Como disse D. Estevão há uma ´nostalgia de unidade´ entre os irmãos separados. Mas eles só a encontrarão ao retornarem ao seio da Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica, fundada por Jesus sobre a Rocha de Pedro. E nós católicos esperamos por essa hora e rogamos ao Espírito Santo que a apresse, para que haja ´um só rebanho e um só pastor´ (Jo 10,16). É fácil notar que o esfacelamento do protestantismo, cada vez maior, tem como causa a negação da Igreja, do Magistério e da Tradição apostólica, e o princípio estabelecido por Lutero, de que a única fonte de fé é a Bíblia, interpretada segundo ´livre exame´ de cada um. Dessa ´leitura livre´ da Bíblia, cada qual tira a conclusão que quer, a que lhe seja mais oportuna e cômoda, até aquela de fundar ´nova igreja´ dirigida pelo seu fundador, contra o que Jesus determinou. É importante notar que São Pedro, quando falava das Cartas de São Paulo, que já eram consideradas parte das Escrituras no seu tempo, alerta os cristãos para o grande perigo de cada um querer interpretar a Bíblia livremente: ´É o que ele [Paulo] faz em todas as suas cartas... Nelas há algumas passagens difíceis de entender, cujo sentido os espíritos ignorantes ou pouco fortalecidos deturpam, para a sua própria ruína, como o fazem também com as demais Escrituras´ (2Pe 3,16). São Pedro chama a atenção aqui para o perigo de deturpação da mensagem e para o grave erro de pessoas particulares quererem a seu modo e sem autorização oficial da Igreja interpretar passagens difíceis. Em toda a Bíblia há passagens difíceis que, por mandato de Cristo só a Igreja, pelo seu Magistério, pode interpretar sem erro. Só à Igreja Cristo garantiu a infalibilidade de interpretar a Bíblia sem erro. É preciso notar que, se São Pedro, que conviveu com São Paulo, que falava a sua mesma língua e vivia os seus mesmos costumes, achava nos escritos de Paulo ´algumas passagens difíceis´, imagine´se então para nós hoje! Não é à toa que a Igreja sempre teve a seu serviço um batalhão de estudiosos das mais variadas ciências para compreender cada vez melhor tudo o que está na Bíblia. Quantos e quantos estudam teologia, hermenêutica, arqueologia, paleontologia, história antiga, lingüística, etc, para que a Igreja possa melhor interpretar a palavra de Deus. E nada disso contradiz a inspiração do Espírito Santo garantida à Igreja; pois Ele faz a Sua parte e quer que façamos a nossa. O mesmo São Pedro lembra aos cristãos do seu tempo: ´Antes de tudo, sabei que nenhuma profecia foi proferida por efeito de uma vontade humana. Homens inspirados pelo Espírito Santo falavam da parte de Deus´ (1Pe1,20). Ora, se a Bíblia toda foi inspirada pelo Espírito Santo, como a sua interpretação pode ser conflitante? O Espírito Santo não se contradiz; logo, não pode haver interpretações antagônicas para uma mesma passagem bíblica. Só a Igreja, templo vivo do Espírito Santo, tem a interpretação autêntica. É o que nos ensina a ´Dei Verbum´ do Vaticano II: ´O ofício de interpretar autenticamente a palavra de Deus escrita ou transmitida foi confiado unicamente ao magistério vivo da Igreja, cuja autoridade se exerce em nome de Jesus Cristo´ (DV,10). O Catolicismo tem a convicção de que a humanidade de Jesus é o grande Sacramento que salva a todos os homens, fazendo´se presente no Corpo de Cristo que é a Igreja e que leva a salvação a cada um através dos sete sacramentos. Todos os sacramentos, as verdades doutrinárias, as práticas de piedade, etc., chegaram até nós pela Tradição. Lentamente, sob o impulso do Espírito Santo, a Igreja foi descobrindo os sete sacramentos até ter uma visão nítida dos mesmos. Ao vencer cada heresia, especialmente nos grandes Concílios, foi´lhe sendo revelada o verdadeiro ´Símbolo dos Apóstolos´, o Credo. E assim, muitos outros assuntos, que não cabem analisar aqui neste livro, foram sendo, sob a inspiração do Espírito, conhecidos. Por exemplo, a necessidade e validade do Batismo ministrado às crianças; a não necessidade de ministrá´lo por imersão, mas apenas por infusão (derramamento) de água; a salutar veneração das imagens, ícones, gravuras sagradas; o casamento indissolúvel, o primado do Papa, o cânon da Bíblia como hoje o temos, diferente da bíblia protestante, o culto e a veneração dos santos (dulia) e à Nossa Senhora (hiperdulia), a santificação do domingo, o purgatório, a ordenação sacerdotal apenas de homens, a intercessão dos santos, a confissão auricular com o sacerdote, a santa missa, a Eucaristia, o celibato dos padres, os ritos litúrgicos, as grandes devoções populares (Sagrado Coração de Jesus, Rosário, Via Sacra, procissões, etc.), tudo chegou a nós através da Sagrada Tradição, confirmada e aprovada pela Igreja. Sem ela não teríamos toda a riqueza da nossa fé, e estaríamos privados de tantos meios de salvação. Só na Igreja católica está a plenitude desses meios. Um ponto relevante a ser observado aqui é a composição da Bíblia Católica, com 46 livros no AT (45, se contarmos Jr e Lm juntos) e 27 no NT; ao todo 72 ou 73. Garante´nos o Catecismo da Igreja e o Concílio Vaticano II que: ´Foi a Tradição apostólica que fez a Igreja discernir que escritos deviam ser enumerados na lista dos Livros Sagrados´ (DV 8) ( CIC,120). Portanto, sem a Tradição da Igreja não teríamos a Bíblia. Como então, dispensar a Tradição na sua interpretação? Como aceitar a existência da fruta e negar a árvore que a gerou? Santo Agostinho dizia: ´Eu não acreditaria no Evangelho, se a isso não me levasse a autoridade da Igreja Católica´(CIC,119). Por que a Bíblia católica é diferente da protestante? Esta tem apenas 66 livros porque Lutero rejeitou os livros de Tobias, Judite, Sabedoria, Baruc, Eclesiástico (ou Sirácida), 1 e 2 Macabeus, além de Ester 10,4´16; Daniel 3,24´20; 13´14. A razão disso vem de longe. No ano 100 da era cristã os rabinos judeus se reuniram no ´Sínodo de Jâmnia´ (ou Jabnes), no sul da Palestina, a fim de definirem a Bíblia Judaica. Isto porque nesta época começava a surgir o Novo Testamento com os Evangelhos e as cartas dos Apóstolos, que os Judeus não aceitaram. Nesse Sínodo os rabinos definiram como critérios para aceitar que um livro fizesse parte da Bíblia, o seguinte: (1) deveria ter sido escrito na Terra Santa; (2) escrito somente em hebraico, nem aramaico e nem grego; (3) escrito antes de Esdras (455´428 a.C.); e (4) sem contradição com a Torá ou lei de Moisés. Esses critérios eram nacionalistas, mais do que religiosos, fruto do retorno do exílio. Por esses critérios não foram aceitos na Bíblia judaica da Palestina os livros que hoje não constam na Bíblia protestante, citados antes.

Acontece que em Alexandria no Egito, antes de Cristo, já havia uma forte colônia de judeus, vivendo em terra estrangeira e falando o grego. Os judeus de Alexandria, através de 70 sábios judeus, traduziram os livros sagrados hebraicos para o grego, entre os anos 250 e 100 a.C, antes do Sínodo de Jâmnia (100 d.C). Surgiu assim a versão grega chamada ´Alexandrina´ ou ´dos Setenta´. E essa versão dos Setenta, incluiu os livros que os judeus de Jâmnia, por critérios nacionalistas, rejeitaram. Havia então no início do Cristianismo duas Bíblias judaicas: uma da Palestina (restrita) e a Alexandrina (completa). Os Apóstolos e Evangelistas optaram pela Bíblia completa dos Setenta (Alexandrina), considerando canônicos os livros rejeitados em Jâmnia. Ao escreverem o Novo Testamento usavam o Antigo Testamento, na forma da tradução grega de Alexandria, mesmo quando esta era diferente do texto hebraico. O texto grego, ´dos Setenta´ tornou´se comum entre os cristãos; e portanto, o cânon completo, incluindo os sete livros e os fragmentos de Ester e Daniel, passou para o uso dos cristãos. Das 350 citações do Antigo Testamento que há no Novo, 300 são tiradas da Versão dos Setenta, o que mostra o uso da Bíblia completa pelos apóstolos. Verificamos também que nos livros do Novo Testamento há citações dos livros que os judeus nacionalistas da Palestina rejeitaram. Por exemplo: Rom 1,12´32 se refere a Sb 13,1´9; Rom 13,1 a Sb 6,3; Mt 27,43 a Sb 2, 13.18; Tg 1,19 a Ecls 5,11; Mt 11,29s a Ecls 51,23´30; Hb 11,34 a 2 Mac 6,18; 7,42; Ap 8,2 a Tb 12,15. Nos séculos II a IV houve dúvidas na Igreja sobre os sete livros por causa da dificuldade do diálogo com os judeus. Finalmente a Igreja, ficou com a Bíblia completa da Versão dos Setenta, incluindo os sete livros.

Vários Concílios confirmaram isto: os Concílios regionais de Hipona (ano 393); Cartago II (397), Cartago IV (419), Trulos (692). Principalmente os Concílios ecumênicos de Florença (1442), Trento (1546) e Vaticano I (1870) confirmaram a escolha. No século XVI, Martinho Lutero (1483´1546) para contestar a Igreja, e para facilitar a defesa das suas teses, adotou o cânon da Palestina e deixou de lado os sete livros conhecidos, com os fragmentos de Esdras e Daniel. Sabemos que é o Espírito Santo quem guia a Igreja e fez com que na hesitação dos séculos II a IV a Igreja optasse pela Bíblia completa, a versão dos Setenta de Alexandria, o que vale até hoje para nós católicos. Lutero, ao traduzir a Bíblia para o alemão, traduziu também os sete livros (deuterocanônicos) na sua edição de 1534,.e as Sociedades Biblícas protestantes, até o século XIX incluíam os sete livros nas edições da Bíblia.

Neste fato fundamental para a vida da Igreja (a Bíblia completa) vemos a importância da Tradição da Igreja, que nos legou a Bíblia como a temos hoje. Disse o último Concílio: ´Pela Tradição torna´se conhecido à Igreja o Cânon completo dos livros sagrados e as próprias Sagradas Escrituras são nelas cada vez mais profundamente compreendidas e se fazem sem cessar, atuantes. Assim o Deus que outrora falou, mantém um permanente diálogo com a Esposa de seu dileto Filho, e o Espírito Santo, pelo qual a voz viva do Evangelho ressoa na Igreja e através da Igreja no mundo, leva os fiéis à verdade toda e faz habitar neles copiosamente a Palavra de Cristo´ (DV,8). Por fim, é preciso compreender que a Bíblia não define, ela mesma, o seu catálogo; isto é, não há um livro da Bíblia que diga qual é o índice dela. Assim, este só pode ter sido feito pela Tradição dos apóstolos, pela tradição oral que de geração em geração chegou até nós.

Se negarmos o valor indispensável da Tradição, negaremos a autenticidade da própria Bíblia. É interessante notar que o Papa São Dâmaso (366´384), no século IV, pediu a S.Jerônimo que fizesse uma revisão das muitas traduções latinas que havia da Bíblia, o que gerava certas confusões entre os cristãos. São Jerônimo revisou o texto grego do Novo Testamento e traduziu do hebraico o Antigo Testamento, dando origem ao texto latino chamado de ´Vulgata´, usado até hoje.








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