- Voltar
A alma em estado de graça recebe aquilo que, em teologia espiritual, chamamos inabitação trinitária. Trata-se de uma presença íntima de Deus no coração do homem, onde Ele passa a estar presente de um um modo novo e qualitativamente superior: como Pai e Amigo. De fato, Deus está presente em todas as coisas criadas, mas apenas a título de Criador que as sustenta continuamente no ser. No homem em estado de graça, porém, a sua presença é ainda mais íntima e profunda, própria de um Amigo que muito nos ama e quer participar-nos seus bens.
Por isso, essa presença íntima da Trindade Santíssima em nossas almas nos também proporciona a infusão das virtudes teologais. Em outras palavras, é Deus quem cria em nós, qual uma semente lançada em solo fértil, o hábito da fé, da esperança e da caridade sobrenatural, para que possamos, assim enriquecidos, pôr em prática esse amor divino e chegar àquela perfeição no amor a que todos nós, chamados por Deus à glória dos santos, estamos destinados.
Mas para que o hábito da caridade aumente, para que as virtudes, potencializadas e elevadas pelos dons do Espírito Santo, cheguem ao grau de heroicidade típico dos santos, elas precisam ser exercitadas. Sem esse esforço contínuo por secundar a graça divina e deixar-se modelar pela ação do Espírito santificador, um cristão jamais poderá repetir com São Paulo: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20) — vida essa que, como acrescenta o mesmo Apóstolo, radica na fé no Filho de Deus: fé viva, informada pela caridade, capaz de crescer por atos contínuos e repetidos (cf. Rm 1, 17).
Ora, é evidente que, por serem realidades de ordem sobrenatural, as virtudes teologais — em cujo crescimento consiste, fundamentalmente, o nosso progresso espiritual — só podem ser exercidas desse modo se forem antes movidas e atuadas por uma causa também sobrenatural. Embora as possuamos como verdadeiros hábitos operativos da alma (desde que vivificada pela graça santificante), não temos como pô-las em exercício sem uma atuação direta de Deus mediante a chamada graça atual, isto é, uma moção divina que nos capacita a agir sobrenaturalmente.
Eis porque a vida de oração é a principal forma de exercitarmos as virtudes teologais e crescermos em santidade, já que é pela oração que nos abrimos à ação santificadora de Deus, sem a qual não passamos de um corpo inerte, incapaz de mover-se a si mesmo na ordem das realidades divinas. A oração, portanto, é o “motor” da vida espiritual, já que é por meio dela que, ao menos de modo ordinário, Deus quer agir em nossa alma, iluminando nossa inteligência, movendo nossa vontade e aprofundando em nós aquela “vida da fé” que o autor da Carta aos Hebreus atribui ao justo (cf. Hb 10, 38).
Trata-se, porém, de oração íntima, meditada, e não daquelas práticas de piedade que, apesar de boas e louváveis, não costumam oferecer o ambiente de intimidade necessário para que se realize, no claro-escuro da fé, essa moção da graça atual sobre a alma. É preciso rezar, mas rezar meditando, buscando ou na Sagrada Escritura ou num livro piedoso as verdades sobrenaturais que Deus nos revelou para nossa salvação e para nosso alimento espiritual diário.
Ora, ninguém duvida de que orar assim exige esforço e perseverança. De fato, são muitas as distrações e preocupações, cansaços e indisposições que, via de regra, tornam pesadas as horas dedicadas à oração e desmotivam um número não pequeno de iniciantes. Tendo em conta essas dificuldades e imperfeições, Nosso Senhor quis providenciar-nos um meio de, já no início da vida espiritual, termos a garantia da atuação de sua graça em nossos corações: a Comunhão eucarística, na qual recebemos não só a graça, mas o próprio Autor e fonte de toda graça.
Para os principiantes, com efeito, o momento da Comunhão é o mais importante e adequado à oração íntima, porque a presença de Jesus não é só espiritual, mas física e real. Ele toca fisicamente o nosso corpo. Por isso, a chamada ação de graças após a Comunhão eucarística não apenas é recomendável, mas extremamente necessária para o crescimento na santidade. O fiel precisa meditar naquela presença eucarística de Jesus, Senhor de todas as coisas, colher os frutos desse toque divino que coloca a alma humana em contato direto com o céu. Esse momento é tão importante que Santa Teresinha, com a ousadia das almas apaixonadas por Deus, convocava toda a corte celeste e a ajuda de Nossa Senhora para poder oferecer a Cristo todo o amor que Ele merece.
Nesse sentido, o primeiro passo para a santidade é comungar bem: em estado de graça, com fé e devoção, reservando um pouco de tempo — dez, quinze minutos, pelo menos — a estar a sós com o Senhor, que se digna descer aos nossos altares, que nos aguarda nos sacrários, que se oculta sob as espécies eucarísticas, à espera do nosso amor e da nossa adoração, sempre disposto a nos ajudar a aprender a conhecê-lo e amá-lo, ou seja, a rezar.
É verdade que, na hora de render graças após a Comunhão, as distrações atrapalham-nos a alma, impedindo-a de se concentrar na presença de Deus. Nesse caso, deve-se procurar utilizar o conteúdo dessas distrações na própria oração, fazendo uma declaração sincera e humilde a Deus das próprias misérias.
Em todo caso, não há como viver a vocação sem uma luta ascética pela intimidade com Deus. O Cura d’Ars, por exemplo, só conseguiu converter a sua paróquia mediante uma vida intensa de oração e penitência. Esse era o seu grande “método” pastoral, que não tinha medo de recomendar aos demais sacerdotes: “Pregou? Rezou? Jejuou? Utilizou as disciplinas? Dormiu no chão? Se ainda não fez isso, não tem o direito de se queixar”.
Nessa época de severa secularização e mundanização dentro da Igreja, os padres devem ser os primeiros a testemunhar a necessidade da oração para a salvação eterna, pois quem não reza, diz Santo Afonso de Ligório, não se salva (A oração, V, n. 28).