
Para ler e meditar
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10/08/2021
Martírio, a vocação do cristão
Festa de São Lourenço, Diácono e Mártir
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
(Jo 12, 24-26)
Naquele tempo disse Jesus a seus discípulos: “Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas se morre, então produz muito fruto.
Quem se apega à sua vida, perde-a; mas quem faz pouca conta de sua vida neste mundo conservá-la-á para a vida eterna. Se alguém me quer servir, siga-me, e onde eu estou estará também o meu servo. Se alguém me serve, meu Pai o honrará”.
I. Reflexão
Celebramos hoje a festa do grande diácono São Lourenço, um dos santos mais importantes da liturgia latina por ser um mártir romano que deu seu testemunho de fé durante as grandes perseguições. Celebrar São Lourenço é recordar qual é verdadeiramente a identidade cristã. Vivemos numa época em que se propagou bastante a ilusão de que, se formos bons cristãos, seguidores de Cristo, Deus de amor, iremos viver a concórdia, a paz, a conciliação de todos os povos, e no fim “tudo dará certo”. Mas isso não corresponde à realidade. É um sonho ingênuo, para não dizer ideologia maliciosa. Se olharmos para Nosso Senhor Jesus Cristo, para seus Apóstolos e para a Igreja, não só a dos primeiros séculos, mas a de todos os séculos, veremos que é próprio do cristão encontrar-se, cedo ou tarde, numa encruzilhada, posta em seu caminho na forma de uma escolha: ou tornar-se idólatra, adorando outras coisas que não ao Deus verdadeiro, ou ser coroado mártir. Alguma coisa iremos perder.
Desde o início, a Igreja vive desta profunda convicção. Nosso Senhor, na Última Ceia, anunciou o drama: Odiaram a mim, odiarão também a vós; em seus discursos escatológicos, previu: Irão levar-vos diante dos tribunais, sereis odiados por causa de mim. Olhando para os vinte séculos de cristianismo, o que vemos é uma constante. Quando Jesus, há dois mil anos, disse: Quem quiser me seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz e siga-me, Ele não estava fazendo poesia. É verdade, Jesus fala da cruz como metáfora da tribulação, do sofrimento, mas para descrever o que realmente há de acontecer com quem o ama e quer seguir. Por mais que amemos a humanidade e queiramos — como o quis Cristo morrendo por todos na cruz — a salvação do nosso próximo, se amamos Jesus, então seremos odiados como Ele o foi. Por quê? Porque num mundo onde impera o egoísmo e o pecado, isto é, o reinado de Satanás, qualquer um que viva a caridade divina, o amor de Cristo, Deus encarnado por amor ao homem, será odiado, rejeitado, rechaçado, perseguido.
Foi o que aconteceu com São Lourenço. A vida dele é exemplar nesse sentido. Que fazia São Lourenço? Qual era a função do diácono? São Lourenço era o encarregado da caridade. Ele devia ser muito amado por todos os romanos porque, afinal de contas, poderíamos aplicar a Lourenço o que nos Atos dos Apóstolos se diz de Jesus: Passou por este mundo fazendo o bem. Lourenço era o incumbido de recolher dinheiro e ajudar os pobres, as viúvas, os órfãos, os coxos e aleijados etc. Ele passou a vida fazendo o bem. Foi, digamos assim, uma espécie de “irmã Dulce”, para usar uma comparação brasileira. Quem não amaria uma pessoa que, desapegada das coisas materiais, faz o bem a todos os pobres e necessitados? No entanto, havia um “problema”: ele amava a Cristo, por isso se recusava a adorar o imperador.
Ora, os cristãos sempre foram bons cidadãos. Os imperadores romanos não poderiam sonhar em os ter melhores, mais dóceis e obedientes, bondosos e zelosos do que eles. Mas a César o que é de César, a Deus o que é de Deus. Na época, César pretendia usurpar o que era de Deus, ou seja, a adoração. Ora, como convém antes obedecer a Deus que aos homens, São Lourenço entregou a vida por fidelidade a Cristo, juntamente com seus companheiros mártires, entre os quais estava o próprio papa, Sisto II, martirizado três dias antes. Todos sabiam ser grave pecado pôr qualquer criatura no lugar do Criador.
É exatamente a isso que somos tentados hoje em dia. Somos cristãos do século XXI, mas temos também nossas encruzilhadas, aqueles momentos em que é preciso decidir-nos por Cristo ou por Belial. A encruzilhada existe e é inevitável. Quando, por exemplo, saímos com os amigos, vamos a uma festa ou conversamos sobre temas “polêmicos”, chega sempre o momento em que temos de decidir professar e viver o que sabemos ser a verdade cristã, mesmo que isso nos custe certo constrangimento diante dos outros. Iremos manter a castidade, mesmo diante dos pedidos da namorada ou do namorado? Iremos persistir na retidão dos valores cristãos, mesmo diante daquela conversa indecente com os colegas? Iremos permanecer honestos, mesmo quando nos pedem no serviço uma “trapaçazinha”? Iremos continuar abertos à vida no casamento, ainda quando todo o mundo diga: “Está louco! Para que mais filhos?” Iremos testemunhar a fé de que Jesus Cristo é Deus feito homem, realmente presente nos sacrários da Igreja Católica, fora da qual não há salvação, ou preferiremos ceder aos sabores da moda e dizer: “Todas as religiões são boas. O importante é crer em alguma coisa”? São essas as encruzilhadas da vida, nas quais todos temos de escolher entre agradar a Deus ou aos homens, mesmo que o resultado seja o mesmo de São Lourenço — a grelha.
Peçamos a Deus que faça arder em nossos corações o amor a Jesus Cristo. São Lourenço sofreu, sim, as dores das chamas, dos carvões em brasa, mas aguentou firme porque, dentro do coração, trazia uma fornalha ainda mais ardente: a fornalha do amor a Nosso Senhor. Como ofender um Senhor tão bom, só para agradar ao mundo e salvar por breve tempo a vida do corpo, perdendo porém a da alma? Não. Se Cristo morreu por nós, morramos também nós por Ele. O martírio é a vocação de todo cristão. Talvez não cheguemos a derramar o sangue, mas algum preço, cedo ou tarde, teremos de pagar. Há encruzilhadas, e nós devemos escolher entre ser idólatras ou permanecer firmes. Até o martírio.
site PADRE PAULO RICARDO.
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