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A mortificação é uma antiga prática da vida espiritual cristã; em tempos recentes, porém, ela perdeu espaço na vida de muitos católicos. Por isso, decidi escrever estas linhas para defender que nós realmente precisamos voltar à prática das mortificações regulares e significativas.
Em primeiro lugar, a mortificação tem base bíblica. De acordo com o segundo livro de Samuel, os servos de Davi sofreram voluntariamente certa humilhação antes de serem reconhecidos pelo novo rei dos amonitas. Davi, talvez por conta do choque, concordou com a humilhação, dizendo-lhes para permanecerem na cidade até que suas barbas crescessem (cf. 2Sm 10, 1-5).
Se realmente queremos alcançar a santidade, se quisermos realmente ser santos, devemos assumir mais cruzes e mortificar nossa carne.
Antes disso, até mesmo a Lei do Senhor estabelece a observância de um dia de expiação, em que nenhum trabalho seria realizado e todo o povo de Deus humilhar-se-ia, geralmente com mortificações físicas ou atos de humilhação, como vestir-se com roupas sujas e fazer jejum (cf. Lv 16, 29-31). Os jejuns e as penitências são claramente detalhados ao longo do resto do Antigo Testamento.
Há também, no Novo Testamento, uma mensagem consistente sobre abnegação:
Em seguida, convocando a multidão juntamente com os seus discípulos, disse-lhes: “Se alguém me quer seguir, renuncie-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”. (Mc 5, 34-35)
Nisto temos conhecido o amor: (Jesus) deu sua vida por nós. Também nós devemos dar a nossa vida pelos nossos irmãos. (1Jo 3, 16)
De fato, se viverdes segundo a carne, haveis de morrer; mas, se pelo Espírito mortificardes as obras da carne, vivereis. (Rm 8, 13)
Mortificai, pois, os vossos membros no que têm de terreno: a devassidão, a impureza, as paixões, os maus desejos, a cobiça, que é uma idolatria. (Cl 3, 5)
Pois os que são de Jesus Cristo crucificaram a carne, com as paixões e concupiscências. (Gl 5, 24)
Quanto a mim, não pretendo, jamais, gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo. (Gl 6, 14)
Ao contrário, castigo o meu corpo e o mantenho em servidão, de medo de vir eu mesmo a ser excluído depois de eu ter pregado aos outros. (1Cor 9, 27)
“Perder a sua vida”. “Crucificado para mim”. “Renuncie a si mesmo”. A mensagem do Novo Testamento é extremamente clara: somos chamados a uma espécie de sofrimento para superarmos o pecado e nos unirmos a Cristo. Penso que as palavras de Paulo sobre “castigar o seu corpo” são as mais fortes de toda a Sagrada Escritura. A palavra que São Paulo usa significa, literalmente, espancar, bater, esbofetear o próprio corpo.
Os santos não eram alheios a essa prática. E não me refiro aos santos da antiguidade — há santos de todas as gerações que praticaram a mortificação. Há histórias fantásticas de como cada santo domesticou a própria carne. É famosa a história de São Bento, que se jogou em um arbusto de espinhos para cessar os pensamentos impuros; São Felipe Neri vestia camisas feitas com pelos de cavalo; Santa Gemma usava um cilício debaixo das roupas. E há outras mortificações menos severas praticadas por outros santos, como o costume de São João Paulo II de dormir no chão.
“São Domingos em penitência”, de Luis Tristán.
Talvez você não seja alheio às mortificações também. Você vive a fundo a Quaresma? Se sim, então certamente já observou alguma forma de jejum e abandonou alguma coisa para castigar a sua carne. Tudo isso é mortificação, mas não devemos limitar essas práticas à Quaresma, só porque é nesta época que a lei canônica e a liturgia nos mandam realizá-las. Assim como a oração e a consideração da Paixão são fundamentais para todos os tempos do ano, assim também as mortificações da carne e o jejum devem ser regularmente praticados ao longo do ano.
As mortificações são práticas santificantes porque o domínio pessoal é uma exigência feita a todo cristão.
Por quê? O que isso acrescenta? Não seria uma simples mutilação? As mortificações são, sem dúvida nenhuma, práticas santificantes, porque o domínio pessoal é uma exigência feita a todo cristão. Veja este exemplo: se você fosse viciado em gastar dinheiro, não trituraria seus cartões de crédito, limitando sua capacidade de gastar dinheiro em tudo, a fim de controlar melhor suas finanças? Sim! Da mesma forma, se você fosse viciado em pornografia e masturbação, não iria moderar o uso dos meios eletrônicos como um meio efetivo de controlar os desejos da carne? Claro!
Muito bem, você não tem dívidas nem é viciado em pornografia… Mas ainda assim há algum motivo para se confessar, certo? Talvez uma ofensa repetitiva? Uma fofoca? Uma mortificação apropriada poderia ser, por exemplo, fazer um “voto” limitado de silêncio. Boca suja? Vinte flexões para cada palavra baixa. Com esses meios, você terá a motivação para mudar rapidamente de atitude.
Acho que você entendeu, mas alguns ainda não estão convencidos. Pensam que é “extremismo”. Pensam que é mutilação. Alguns santos, como São Luís Gonzaga, se chicoteavam até o sangue (e ele era conhecido por seu senso de humor!). São Felipe Neri, por sua vez, dizia que a penitência era a única coisa que o habilitava para a santidade — e ele ficou conhecido como um dos santos mais puros de todos os tempos.
São Luís Gonzaga.
Mas então: mortificação é ou não é mutilação? Uma definição adequada para esta última palavra seria “alterar, cortar ou danificar uma parte do corpo sem possibilidade de conserto”. Soa familiar? Jesus disse: “Se o seu olho faz com que você peque, arranque-o” e “se sua mão faz você pecar, corte-a” (Mt 5, 29-30).
Não estou sugerindo, evidentemente, que cheguemos a esse nível, mas a imagem deve nos assustar. Na pior das hipóteses, ela é literal (seja lá o que tenha em mente, Jesus diz que é melhor do que ser enviado ao inferno). Na melhor das hipóteses, Ele ainda está discutindo meios físicos de alterar nosso comportamento moral. “Cortar" e “arrancar” podem significar, de forma aceitável, não depender mais das partes e dos sentidos do corpo. Então, amarre sua mão atrás das costas! Encontre um caminho para não permitir que seus olhos olhem para algo que possa levar você a pecar! Fazer isso exigirá um nível de sacrifício que, sim, às vezes será muito doloroso.
Não obstante, se realmente queremos alcançar a santidade, se quisermos realmente ser santos, devemos assumir mais cruzes e mortificar nossa carne. Esse é o único caminho que conduz ao Céu.