Cidadãos do Infinito




Anjos e Santos da Igreja
  • Voltar





09/01/2012
SÃO CIRILLO DE JERUSALÉM
Perseguido pela Igreja


Esse Doutor da Igreja brilha como um sol num firmamento histórico convulsionado por heresias e paixões políticas desencadeadas. 

Plinio Maria Solimeo -

Uma das épocas mais conturbadas da Igreja foi sem dúvida o século IV, agitado por disputas teológicas e lutas das mais apaixonadas e encarniçadas que já houve na História da Igreja.

 

Bispos dos mais santos e ortodoxos (ortodoxia = verdadeira doutrina), como o grande Santo Atanásio, foram exilados de suas dioceses e perseguidos pelo poder imperial, ganho pela heresia ariana (1), enquanto heresiarcas declarados pavoneavam-se em seus lugares. Heresias menos conhecidas, mas não menos perniciosas, corrompiam e tumultuavam os fiéis. Em meio a esse caos, eram necessários homens para governar a Igreja de Deus não só de exímia ortodoxia, mas de extrema prudência e virtude, que servissem de luzeiro ao povo fiel. Um deles foi São Cirilo de Jerusalém, cuja festa comemoramos no dia 18 do corrente. 

 

Extraordinário pregador e catequista

Cirilo nasceu em Jerusalém ou arredores, no ano 315. Pouco se conhece de sua infância e juventude a não ser que se aplicou cedo ao estudo das Sagradas Escrituras e de escritores eclesiásticos, bem como da retórica, o que depois se refletiria no seu magistério.

Ordenado sacerdote por São Máximo de Jerusalém, dedicou-se desde logo à catequese dos catecúmenos (neófitos que se preparavam para o batismo). Muito versado, refutava os pagãos com suas próprias armas, e tornava acessíveis àqueles que se preparavam ao batismo os mais elevados mistérios de nossa fé.

Suas pregações, realizadas na porta da Basílica do Santo Sepulcro (pois os não-batizados nela não podiam ainda entrar) eram tão apreciadas, que copiladores anônimos as foram anotando. Tais notas formaram precioso conjunto, que foi  publicado sob o título de Catequeses, obra que valeu a seu autor o título de Doutor da Igreja.

Como essas pregações visavam a formação dos catecúmenos, Cirilo nelas explica primeiro o Símbolo dos Apóstolos (o Credo); depois os Sacramentos que os neófitos deveriam receber num mesmo dia, isto é, Batismo, Confirmação e Eucaristia. Em seguida discorre sobre a Santíssima Trindade, aproveitando toda ocasião para  combater erros e heresias contra a verdadeira fé.

O talento e a eloqüência que Cirilo empregava nessa série de instruções, o designaram de maneira natural aos sufrágios do Clero e do povo quando a morte de Máximo tornou vacante a Sede episcopal” de Jerusalém no ano 350 (2).

Pouco depois de sua sagração episcopal, ocorreu na Cidade Santa um grande milagre, narrado pelo próprio Bispo ao Imperador Constâncio, visto por milhares de pessoas e atestado mesmo por historiadores pagãos: “No dia 7 de maio de 351, às nove horas da manhã, uma imensa cruz de luz apareceu acima do Gólgota, estendendo-se até o Monte das Oliveiras, distante cerca de três quartos de légua. Ela se mostrou muito distintamente não a uma ou duas pessoas, mas a toda a população da cidade. .... permaneceu visível aos olhos sobre a Terra, e mais brilhante que o sol, do qual a luz, sem isso, a teria encoberto” (3). Com um misto de susto e alegria, o povo acorreu às igrejas, louvando o Senhor por essa manifestação de seu poder e muitos pagãos se converteram.

 

Começa a perseguição dos hereges arianos

Ia começar para o Bispo da Cidade Santa uma série de perseguições que se prolongariam praticamente até sua morte.

Sobreveio em Jerusalém e adjacências uma grande fome. Milhares de pobres morriam à míngua por não terem o que comer. Para sanar essa trágica situação e socorrer suas ovelhas, Cirilo não teve outro recurso senão vender mobiliário e parte dos bens diocesanos. Isso foi interpretado por seu Metropolita Acácio, Arcebispo de Cesaréia, herege ariano que procurava um pretexto para afastá-lo de Jerusalém, como apropriação indébita dos bens eclesiásticos. Intimado pelo Arcebispo a comparecer ante um tribunal, Cirilo negou-se. Acácio reuniu então uma assembléia de Bispos arianos que depôs  o Santo de sua Sé.

Restabelecido nela no ano seguinte pelo Concílio de Seleucia (359), os Bispos arianos, à força de pressões, conseguiram novamente depô-lo num Concílio em Constantinopla.

Em 361, morto o Imperador Constâncio, seu sucessor Juliano (que ficaria mais tarde tristemente famoso com o terrível cognome de Apóstata), chamou de volta todos os Bispos exilados, entre eles São Cirilo.

 

Desafio a Deus: tentativa de reconstrução do Templo

 

O novo Imperador – que era secreto inimigo dos cristãos – começou a favorecer por todos os modos o reviver do paganismo. Julgava que, sendo os mártires sementes de cristãos, não deveria empregar as perseguições, mas uma verdadeira revolução pacífica contra o Cristianismo.

Ora, uma das profecias de Nosso Senhor que se havia cumprido com a mais inexorável exatidão fora a da ruína do Templo de Jerusalém e conseqüente dispersão do antigo povo eleito. Anular e desmentir tal profecia seria um grande golpe assestado nos cristãos. Esse era o objetivo de Juliano. Para isso,  primeiramente atraiu à Cidade Santa todos os judeus que pôde, prometendo-lhes inteira liberdade, e, sobretudo, incentivando-os a reconstruir o Templo. Pôs o tesouro imperial à disposição deles, bem como operários e todo o aparato de que dispunha.

Os hebreus, exultantes, acorreram a Jerusalém. Todos queriam ajudar não só doando dinheiro, mas jóias e bens. E até mulheres bem situadas foram carregar entulhos e pedras para a obra.

Para começar a construção do novo Templo foi necessário arrancar os alicerces que restavam do antigo. São Cirilo mantinha-se impávido, na convicção de que prevaleceriam as palavras de Nosso Senhor. Mostrou aos judeus que, apesar das condições mais favoráveis possíveis, eles estavam ajudando o cumprimento da profecia, fazendo desaparecer até os vestígios do Templo primitivo ao arrancar-lhe o que restava dos alicerces.

Mas a Providência manifestou-se de modo mais categórico. Um escritor insuspeito, porque pagão, contemporâneo dos acontecimentos, Ammiano-Marcelino, narra: “Enquanto o conde Alípio, assistente do governador da província, apressava vivamente os trabalhos, espantosos turbilhões de chamas saíram dos lugares contíguos aos fundamentos, queimaram os trabalhadores e lhes tornaram o lugar inacessível. Enfim, esse elemento persistindo sempre com uma espécie de teimosia a rejeitar os obreiros, foi-se obrigado a abandonar a empresa” (4). Praticamente a mesma coisa narra São Gregório Nanzianzeno, igualmente contemporâneo dos fatos, os quais aliás são também confirmados por outros escritores da época, tanto cristãos quanto pagãos e judeus.

 

 

Fortaleza heróica nas perseguições

 

 

O Apóstata Juliano prometeu vingar-se de Cirilo quando voltasse da guerra na Pérsia, mas foi antes chamado ao Tribunal de Deus onde prestou contas de sua impiedade.

Entretanto, o Imperador Valente, também favorecedor do arianismo, tornou a exilar o Santo em 367. Durante onze anos Cirilo peregrinou de mosteiro em mosteiro, de Diocese em Diocese, até que, subindo ao trono o Imperador Graciano, ordenou que fossem restituídas a todos os Pastores em comunhão com o Papa São Dâmaso, suas respectivas Dioceses. Assim, em 378, Cirilo voltou à Cidade Santa para não mais sair.

Mas seu trabalho não era fácil, pois sua Diocese, depois de onze anos em mãos de hereges, encontrava-se num estado de calamidade espiritual. Por isso o Concílio de Antioquia (379) designou São Gregório de Nissa para ajudá-lo na reforma do seu rebanho.

Mais tarde, no Concílio de Constantinopla (381), São Cirilo de Jerusalém colocou sua assinatura na condenação dos semi-arianos e dos Macedonianos (5).

 

Combatente em prol da fé

Até o fim os inimigos do Santo quiseram denegrir sua figura – e sobretudo sua ortodoxia –, bem como a legitimidade de sua eleição episcopal. E foi para ele uma honra e uma glória que o Segundo Concílio Ecumênico de Constantinopla, em 382, tenha dele atestado: “Esse Bispo, bem-amado de Deus, foi ordenado canonicamente pelos Bispos de sua província, e combateu pela fé em diversas ocasiões” (6).

Enfim, depois de ter,  como São Paulo, “combatido o bom combate e percorrido a carreira inteira”, esse heróico Prelado e Doutor da Igreja  rendeu a Deus tranqüilamente o espírito em 386, com a  idade de 70 anos.

 

Notas:

1 – A heresia ariana, que assolou a Igreja no século IV, teve como autor o heresiarca Ario, eclesiástico de Alexandria (Egito). Ela negava a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo, tendo sido condenada pelo Concílio de Nicéia (325).

2 - Les Petits Bollandistes – Vies des Saints, d’après le Père Giry, par Mgr. Paul Guérin, Paris, Bloud et Barral, Libraires-Éditeurs, 1882, tomo III,  p. 486.

3 - Id., ib.

4  - Amm. Marcel., l. II, c. 1., apud,  Les Petits Bollandistes, op. cit. pp. 488-489.

5 – A heresia do Macedonianismo (séc. IV) consistia em negar a divindade do Espírito Santo, considerando-O a primeira criatura do Filho ou Verbo.

6 - Les Petits Bollandistes, op. cit., p. 486.

_______________________

Outras fontes de referência:

Pe. José Leite, S.J. Santos de Cada Dia,  Editorial A.O., Braga, 1993, vol. I, pp. 348-349.

El Santo de Cada Dia, Edelvives, Editorial Luis Vives, S.A., Saragoça, 1947, vol. II, p. 190.

Fr. Justo Perez de Urbel, O.S.B., Año Cristiano, Ediciones Fax, Madrid, 1945, vol. I, pp. 519 a 522.

 








Artigo Visto: 1442



Total Visitas Únicas: 737.743
Visitas Únicas Hoje: 233
Usuários Online: 77